Roma está em chamas… e você aí curtindo a vida!
Esta mensagem bem poderia ter partido de um dos milhares de púlpitos cristãos espalhados pelo mundo, quer pelo teor apocalíptico, quer pelo tom retórico e desafiador. Afinal, é, a meu ver, o tipo de exortação mais afinada com os propósitos do cristianismo: uma tomada de consciência pessoal que se revela em um movimento para fora, em direção à coletividade. O compromisso de negar-se a si mesmo e voltar-se para o outro.
No entanto, talvez para minha vergonha – e/ou para vergonha de muitos – não ouvi a frase que me cativou os sentidos em púlpitos ou sermões televisivos. Tampouco a li em livros. Trata-se da idéia central de um filme, Leões e Cordeiros (Lions for Lambs, EUA, 2007), um produto da indústria cultural pleno de paradoxos e intrinsecamente ambíguo.
O longa em questão foi dirigido pelo já septuagenário Robert Redford e é estrelado por Meryl Streep, Tom Cruise e pelo próprio diretor. O tema central é a guerra ao terror perpetrada pelo governo dos Estados Unidos. A trama se divide em três narrativas inter-relacionadas: em Washington, uma jornalista (Streep) entrevista um jovem senador republicano (Cruise) cotado como sucessor de George W. Bush; em uma universidade da Califórnia, um professor idealista (Redford) tenta convencer um estudante (o estreante Andrew Garfield) a direcionar seu potencial para causas mais nobres; no Afeganistão, dois soldados (Michael Penã e Derek Luke) lutam pela vida após uma tentativa frustrada de conquistar uma montanha infestada de talebãs.
Os soldados são o fio condutor da estória. Ex-alunos e discípulos ‘espirituais’ de Redford, eles são parte de um esquadrão enviado em uma missão suicida por conta de uma nova estratégia de guerra elaborada pelo jovem senador. Este tenta convencer a jornalista a noticiar o fato como o golpe derradeiro sobre o terrorismo, apesar das desconfianças e do ceticismo dela. A decisão da jornalista é crucial para a decisão do estudante. E assim o ciclo se encerra. Ou quase isso.
“Leões e Cordeiros” não é mero entretenimento. Antes, desafia, incomoda e faz pensar. Mais do que desferir um golpe certeiro no governo reacionário do então presidente George W. Bush, o filme tenta revolver as próprias entranhas do nosso modus vivendi ocidental, embebido em um pragmatismo simplista, um idealismo hipócrita e um pseudo-cristianismo. O filme perscruta os valores e as motivações que movem e alimentam a nossa sociedade e apresenta o resultado de sua análise: somos seres cauterizados, movidos por necessidades que julgamos essenciais e imprescindíveis, mesmo quando não o são. Vivemos em uma sociedade em que reina um tipo de ideologia de classe-média cujo veneno nos entorpece. Buscamos o sucesso financeiro, o consumo desenfreado, o status e o ócio. Não temos tempo para valores do espírito. Não temos, e por vezes nem queremos, esforço de tipo algum. Não queremos agir. Não temos uma missão.
Tratando de questões específicas da experiência norte-americana, Redford fala do todo, das mais variadas esferas da existência contemporânea. O filme expõe as conseqüências do individualismo moderno e retoma a discussão a respeito do consumismo.. Ele atualiza para a ficção a perspectiva que já vinha sendo tratado de forma magistral pelo documentarista Michael Moore (Tiros em Columbine, Roger e Eu, Fahrenheit 11/9). Para Redford, o problema da sociedade atual esta intimamente relacionado com o consumismo. E este ponto o filme aborda muito bem.
Desde o universitário que se torna descrente e se entrega à curtição, até a jornalista que reluta em denunciar e ir contra a maré, com medo de perder uma carreira de sucesso e tranqüilidade, são as motivações que, definindo os atos, engendram o problema e subvertem a ética. Para o filme, o consumismo entorpece. E se entorpece, gera letargia. E se gera letargia, aniquila a ação e extermina o esforço. E sem esforço, não pode haver vida.
Por se tratar de um filme mais panfletário do que propriamente analítico, Leões e Cordeiros nos propõe como solução um retorno à ação, à valorização do esforço, à tentativa de gerar e fortalecer a esperança. Que cada leitor assista ao filme e tire suas próprias conclusões. Mas que as tire. Que se envolva. Que reflita. Em suma, que se esforce.
Eugenio Petraconi